O pequeno príncipe e a dependência química

Lido e relido por gerações, O Pequeno Príncipe é um clássico que, desde o seu lançamento, em 1943, nos brinda com valiosas reflexões sobre o viver.

 

De tantas passagens memoráveis, como “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” ou “O essencial é invisível aos olhos”, hoje gostaria de destacar um trecho da obra que não é tão mencionado, que é o da conversa do Pequeno Príncipe com um outro personagem, o bêbado. Leia o trecho do livro:


“[…]

O planeta seguinte era habitado por um bêbado. Esta visita foi muito curta, mas mergulhou o principezinho numa profunda melancolia.

– Que fazes aí? perguntou ao bêbado, silenciosamente instalado diante de uma coleção de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.

– Eu bebo, respondeu o bêbado, com ar lúgubre.

– Por que é que bebes? perguntou-lhe o principezinho.

– Para esquecer, respondeu o beberrão.

– Esquecer o quê? indagou o principezinho, que já começava a sentir pena.

– Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bêbado, baixando a cabeça.

– Vergonha de quê? investigou o principezinho, que desejava socorrê-lo.

– Vergonha de beber! concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente no seu silêncio.

E o principezinho foi-se embora, perplexo.

As pessoas grandes são decididamente muito bizarras, dizia de si para si, durante a viagem.”


Na história, o bêbado deixa claro que bebe para esquecer a vergonha que sente justamente de beber e, sozinho no planeta, não tem mais forças para sair desse movimento vicioso. Este ciclo comportamental repetitivo, aliás, é uma das características mais comuns e importantes no diagnóstico de alcoolismo: apesar dos seus genuínos esforços para evitar o uso do álcool, a pessoa acometida não consegue fazê-lo. Isso acaba suscitando sentimentos de culpa, vergonha e raiva, e essas emoções intensas são gatilho para uma nova recaída. E assim, o ciclo se perpetua, caso não haja tratamento adequado.

 

Esta obra emblemática foi publicada pela primeira vez em 1943, e o alcoolismo foi reconhecido pela OMS como doença somente em 1956. Portanto, à época do lançamento da obra, ainda não existiam possibilidades de tratamento para a dependência de álcool, e o isolamento foi a solução que o personagem bêbado encontrou. 

 

Quem sabe se o livro tivesse sido lançado alguns anos depois, a passagem do diálogo do pequeno príncipe com o bêbado teria um desfecho diferente? Já pensou sobre isso? Qual a sua opinião?



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